De tanto ver, a gente banaliza o olhar. Vê não vendo.
Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia, sem ver.
Parece fácil, mas não é.
O que nos cerca, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade.
O campo visual da nossa rotina é como um vazio.
Você sai todo dia, por exemplo, pela mesma porta.
Se alguém lhe perguntar o que você vê no seu caminho, você não sabe.
De tanto ver, você não vê.
O hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem.
Mas há sempre o que ver. Gente, coisas, bichos.
E vemos? Não, não vemos.
Uma criança vê o que um adulto não vê.
Tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo.
O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que, de tão visto, ninguém vê.
Há pai que nunca viu o próprio filho.
Marido que nunca viu a própria mulher, isso existe às pampas. Nossos olhos se gastam no dia a dia, opacos.
É por aí que se instala no coração o monstro da indiferença.
(Autoria: Otto Lara Resende)