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"Nostradamus prevê um grande futuro para a Bretanha, que se prolongará por três séculos. Toma-se este período como começando com o reinado de Elisabeth I (1558-1603) até o da rainha Vitória (1837-1901), cinqüenta anos mais do que diz a profecia. Não fica explicado o caso dos portugueses; a terceira linha é dúbia, não se sabe se se trata de forças inglesas ou daqueles que terminaram com o poder inglês. Uma frase ambígua, para não quebrar a tradição de Nostradamus" (p. 419).
e) Ainda a respeito da Inglaterra, os comentadores citam Cent. X, qu. 22:
"Por não desejar consentir no divórcio, que então logo em seguida será reconhecido como invalidado (ou indigno), o rei das ilhas será forçado a fugir, e o que foi posto em seu lugar não terá signo de rei."
Os comentadores hesitam quanto ao significado desta quadra: alguns nela vêem a abdicação do rei Eduardo VII da Inglaterra aos 10/12/1936; no caso, Jorge VI, que não estava na linha de herança do trono, assumiu a realeza, como "quem não tinha signo de rei". - Outros referem a estrofe ao séc. XVII e vêem Oliver Cromwell (+ 1658) designado como "aquele que não tinha signo de rei"!
f) A execução do rei Luis XVI, vítima da Revolução Francesa aos 21/01/1793, estaria predita na quadra seguinte:
"Por um grande desacordo soarão os clarins. Um acordo rompido levanta a face para o céu; a boca sangrenta nadará em sangue; o rosto untando de leite e mel jazerá no chão" (Cent. l, qu. 57).
"Acordo rompido" seria a aceitação da Constituição Revolucionária por parte de Luis XVI.
"Levanta a face para o céu" (...) seria alusão ao fato (?) de que, ao se dirigir para o local da execução, Luís XVI recitou o salmo 3, que diz: "Exaltas a minha cabeça"!
"Untado de leite e mel" (...) seria alusão à unção com óleo feita sobre a cabeça do rei antes da sua execução!
Como se vê, os artifícios são muitos!
g) A estrofe seguinte deveria aludir ao Papa João XXIII (1958-1963):
"Por quatro anos o trono será dominado por alguém de pouco bem. Alguém subirá que é libidinoso na vida. Ravena e Pisa, Verona o apoiarão, desejosas de elevar a cruz papal" (Cent. XVI, qu 27).
A estrofe, segundo Érika, designa primeiramente o Papa João XXIII ("alguém de pouco bem"). Depois refere-se a Paulo VI ("libidinoso na vida"). - Ora não há quem não perceba o absurdo: João XXIII foi um pastor de "grande bem" (o Papa bom, por excelência), e Paulo VI é de vida austera e ilibada.
h) A respeito do túmulo de São Pedro teria Nostradamus dito o seguinte:
"O rei descoberto completará a chacina, tão cedo tenha descoberto sua origem:a torrente que abrirá a tumba de mármore e chumbo, de um grande romano, com o símbolo de Medusina ¹" (Cent. IX, qu. 84).
Eis o comentário de Érika:
"Ainda outro verso sobre a descoberta de um túmulo. A chave é a palavra Medusine. É um anagrama para Deus in me, o que provaria ser a verdadeira tumba de São Pedro, já que este era seu moto. O túmulo que foi encontrado anos atrás era de outro Papa, embora fosse dos primeiros" (p. 374).
A comentarista identifica São Pedro pela palavra Medusine, como se fosse o anagrama de Deus in me, pretenso moto de São Pedro. Ora não se sabe que Pedro tenha tido tal moto, de mais a mais que a língua usual dos romanos no tempo de São Pedro (séc. I) era o grego e não o latim. As escavações realizadas na basílica de São Pedro sob Pio XII comprovaram a presença de Pedro na respectiva sepultura, e não a de outro Papa, como afirma Érika.
i) Ainda a propósito de S. Pedro haveria a seguinte estrofe:
"Quando o sepulcro do grande romano for encontrado, um papa será eleito no dia seguinte; ele não será aprovado pelo Senado, seu sangue envenenado no cálice sagrado" (Cent. III, qu. 65).
Eis o comentário de Érika:
"Depois de um túmulo ser encontrado, provavelmente o de São Pedro, um novo papa será eleito, e se tornará extremamente inconveniente, inimizado pelo sínodo, e possivelmente bastante corrupto, considerando-se que seu sangue será venenoso para o cálice sagrado. Esta linha pode indicar também que este papa será envenenado. Podemos duvidar de que a tumba recentemente encontrada seja realmente a de São Pedro" (p. 145s).
Na realidade, como a estrofe é obscura, também o comentário nada diz. Para poder encontrar algum significado nas palavras do profeta, Érika se vê obrigada a dizer que o túmulo de São Pedro ainda não foi encontrado - o que é falso.
j) No tocante ao futuro do Vaticano e ao fim do mundo, lê-se o seguinte:
"Depois de See ter sido dominada durante dezessete anos, cinco mudarão no mesmo período de tempo. Então um deles será eleito na mesma época e não agradará demais aos romanos" (Cent. V, qu. 92).
Eis o comentário de Érika:
"Nostradamus diz que, após o governo de um papa, que durará dezessete anos, serão eleitos outros cinco durante os dezessete anos seguintes. Se aceitarmos que ele errou um pouco seus cálculos, esta quadra pode-se referir a Pio XII, que reinou por dezenove anos. É interessante observar que o profeta irlandês Malachias, com quem Nostradamus parece concordar, dá como somente outros cinco papas que governariam antes do final do mundo. João XXIII reinou por cinco anos, e o papa atual, Paulo VI, está no Vaticano desde 1963 e tem 75 anos. Isto deixa aos próximos papas pouco tempo de vida para cada um, e, desde que a maioria deles é eleita já em idade avançada, isto pode-se tornar uma realidade" (p. 236).
Ora, como se vê, o comentário é forçado, pois atribui a Pio XII dezessete anos de governo apenas. Paulo VI já tem mais de oitenta anos. Quanto à profecia de S. Malaquias, está evidenciado que é espúria; foi forjada no século XVI e atribuída a S. Malaquias, bispo de Armagh na Irlanda (+ 1148); teve origem durante o conclave de dois meses, que ocorreu entre a morte de Urbano VII (setembro de 1590) e a eleição de Gregório XVI (dezembro de 1590); o falso documento, apresentado dísticos de Papas, deveria orientar os eleitores em favor de determinada candidatura!
Note-se que Érika Cheetham pretende elucidar Nostradamus recorrendo de novo à profecia de S. Malaquias, por ocasião de Cent. VI, qu. 6 (p. 245) - o eu é despropositado ou acrítico (anticientífico).
k) Não raro fala Érika do "Terceiro Anticristo" (cf. pp. 254. 109. 44. 330. 410). O primeiro teria sido Napoleão I; o segundo, Hitler; o terceiro estaria para vir. Ora o tipo do Anticristo no Apocalipse e na antiga Tradição cristã foi o Imperador Nero (54-68), que, no contexto, não poderia ser silenciado.
Ainda merece atenção o texto seguinte:
"Ao nascer do sol pelo segundo canto do galo, aqueles de Tunísia, de Fez, e de Bougie, os árabes capturados pelo rei de Marrocos, no ano mil seiscentos e sete, pela liturgia" (Cent. VI, qu. 54).
Tal é o comentário de Érika:
"Esta quadra parece ser daquelas em que Nostradamus erra completamente. Ele parece prever a queda do império otomano da Europa pela ascensão de um novo rei europeu, e da Ásia pela criação de um novo império persa e de um novo império árabe, por volta de 1607. O único ponto a favor de Nostradamus é que nenhum pesquisador consegue decifrar o que ele quer dizer com "liturgia". Isto pode alterar a data, embora não se saiba como. Ele poderia estar simplesmente querendo dizer Anno Domini, mas Nostradamus não gostava de tornar fáceis as coisas" (pp. 261s).
O comentário de Érika no caso é sincero. Não poucos são os trechos que a autora confessa não poder interpretar, deixando-os sob interrogação.
Ainda poderíamos citar várias passagens das Centúrias de Nostradamus para evidenciar quão subjetivas são as interpretações que se lhes dão.
Para explicar um ou outro caso em que o "profeta" parece ter acertado (note-se bem: ... parece), duas hipóteses vêm em consideração:
1) Nostradamus conhecia a história antiga, principalmente de Roma; ciente do que se dera nas grandes monarquias do passado, não lhe era difícil prever, no futuro, a repetição de certos casos típicos da história: guerras, revoluções, invasões de países, calamidades naturais... Até o fim dos tempos tais coisas acontecerão; quem as queira predizer em estilo ambíguo, terá sempre razão.
2) Bruno Fantoni julga que "Nostradamus" mais do que astrólogo, era realmente um dotado de faculdades parapsicológicas: telepatia, clarividência, percepção extra-sensorial. As predições feitas ao futuro Papa (Sixto V, 1585-90 ou a Catarina foram formuladas à simples vista das pessoas, sem nenhum estudo astrológico prévio" ("Magia e parapsicologia", São Paulo, p. 196).
Esta hipótese admite que pela percepção extra-sensorial Nostradamus tenha podido prever o futuro de pessoas que lhe eram contemporâneas. Ora discute-se tal teoria: a percepção extra-sensorial pode intuir realidades ocultas presentes ao percipiente, mas não se pode assegurar que atinja também o futuro, pois este depende de agentes livres (seres humanos) e contingentes.
Convém agora dizer breves palavras sobre
Astrologia
Os oráculos de Nostradamus referem-se não raro a símbolos da astrologia (Aquário, Câncer, Áries ...), de modo que são interpretados na base da significação de tais símbolos na astrologia. Eis por que interessa examinar o valor científico e objetivo que possa ter a astrologia.
A astrologia e o horóscopo são a arte de definir características da personalidade e principalmente da vida de alguém a partir da posição que os astros tenham tido por ocasião do seu nascimento.
Acontece, porém, que o sistema astronômico suposto pelos cultores da astrologia está totalmente ultrapassado: é o sistema do astrônomo e geômetra Cláudio Ptolomeu (séc. II d. C.), que admite a terra no centro do sistema planetário; sete planetas a cercam: o Sol, a Luz, Júpiter, Vênus (planetas benéficos); Saturno e Marte (planetas maléficos).
Dos planetas alguns são quentes, outros frios; alguns secos, outros úmidos; alguns masculinos, outros femininos. Cada qual exerce sobre os homens determinada influência física, fisiológica ou mesmo psicológica. Todavia a influência de um planeta pode ser modificada ou mesmo anulada pelos sinais do Zodíaco.
O Zodíaco é uma faixa ou um anel que cerca a terra. Estende-se 8º,5 acima e 8º,5 abaixo da eclíptica. Nessa faixa movem-se o Sol, a Lua e os planetas. A circunferência desse anel imaginário (360º) é dividida em doze segmentos (cada qual de 30º). Em cada um desses segmentos existe um compartimento chamado "casa do horóscopo". Tais compartimentos têm, cada um, seu símbolo: Carneiro, Touro, Gêmeos, Leão, Virgem, Balança, Escorpião, Arqueiro, Capricórnio, Aquário, Peixes.
Cada um dos sinais do Zodíaco significa, por sua vez, um aspecto ou uma situação de vida da pessoa. Imaginem-se agora as múltiplas combinações possíveis dos sete planetas com os doze sinais do Zodíaco; cada uma dessas combinações vem a ser um oráculo do destino, que marca decisivamente o temperamento e o currículo de vida da pessoa que nasce sob a sua hégide.
Basta ter exposto sumariamente o que é a astrologia para se evidenciar quanto é despropositada a crença nos seus vaticínios. Hoje sabemos que o nosso sistema planetário é heliocêntrico e não geocêntrico; a existência das casas do horóscopo é algo de totalmente arbitrário e irreal. Sabemos também que os astros existentes no cosmos são quase inumeráveis, produzindo interferências no espaço e nos planetas que outrora se ignoravam. Aliás, a própria experiência ensina que os astrólogos caem, não raro, em contradição. Os conselhos válidos que possam dar, são válidos por serem derivados do bom senso.
Mais: as profecias dos astrólogos podem ter a certa influência na vida dos consulentes, na medida em que os sugestionem e levem a assumir consciente ou inconscientemente comportamentos condizentes com tais "profecias".
É de notar, por último, que vários dos grande líderes militares e civis da humanidade, sendo anticristãos, eram ao mesmo tempo adeptos e crentes da astrologia. Os expoentes do nacional-socialismo (1933-1945), por exemplo, eram perseguidores da Igreja, mas fervorosos clientes dos astrólogos, que os orientavam e até mesmo incitavam a novas façanhas na certeza de que seriam bem sucedidos. É notório o resultado de tais horóscopos: suicídios, enforcamentos, miséria para o povo alemão, que até hoje traz as marcas da aventura, dividido em Alemanha Ocidental e Alemanha Oriental!
Realmente aceitar o horóscopo significa renunciar à sã razão e à reflexão. Algo de semelhante se diga em relação à aceitação dos oráculos de Nostradamus.
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¹ O primeiro biógrafo de Nostradamus foi seu discípulo Jean-Aimes de Chavigny, que publicou a biografia do vidente em 1954. - Note-se a indicação precisa do dia e da hora em que nasceu Nostradamus; era necessária para que se pudesse definir o horóscopo do "profeta".
² Nossa Senhora.
³ O astrolábio era um recipiente cheio de água, que o observador ficava olhando até que a água se tornasse turba e as perspectivas do futuro ali se desenhassem. Nostradamus se colocava, com uma vara na mão, no meio de um círculo mágico, chamado limbo, junto ao astrolábio; falava-lhe então a voz de Branco, filho de Apolo, que aparecia em meio ao fogo, como julgava o "profeta".
¹ Em provençal: Medusine.
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